Dois réus acusados de participação em trama que pretendia dar um golpe de Estado no Brasil depuseram na manhã desta quinta-feira, no Supremo Tribunal Federal (STF), por vídeo conferência: o agente da Polícia Federal Marcelo Araújo Bormevet; e o ex-major do Exército Ailton Moraes Barros. Ambos fazem parte do chamado Núcleo 4
Bormevet trabalhou na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) do final de 2019 a meados de 2022. Durante o depoimento, ele negou que tivesse feito investigações sobre adversários políticos do ex-presidente Jair Bolsonaro, ou que tivesse divulgado notícias falsas envolvendo autoridades.
Entre as suspeitas que recaem sobre Bormevet está a de criação de notícias falsas sobre os ministros Luiz Fux e Luís Roberto Barroso, do STF. Entre as fakenews atribuídas a ele estavam algumas teorias conspiratórias visando desacreditar o processo eleitoral.
Na Abin, Bormevet foi coordenador de uma área responsável, segundo ele, por fazer “pesquisas relativas a pessoas físicas e jurídicas, além de administrar ferramentas e sistemas disponibilizados por órgãos como Receita Federal, Controladoria Geral da União e Polícia Federal”.
>> Siga o canal da Agência Brasil no WhatsApp
Ele negou que entre essas ferramentas estaria o sistema First Mile, utilizado por outras áreas da Abin para espionar adversários políticos do ex-presidente Jair Bolsonaro. Bormevet, no entanto, informou que um de seus subordinados na época, o subtenente do Exército Giancarlo Rodrigues, já teria utilizado esse sistema, mas quando trabalhava “em outro departamento”.
Segundo Bormevet, mensagens trocadas com Giancarlo Rodrigues usadas como indícios pela acusação para associá-lo à suposta espionagem, “versavam sobre publicações que fervilhavam nas redes sociais”, e que tais informações eram compartilhadas por milhares de pessoas.
Ele, no entanto, confirmou ter feito uma pesquisa sobre um sobrinho do Barroso, “mas sem a intenção de ferir a imagem das pessoas. Foram trocas de mensagens particulares visando conhecimento similar ao de milhares de brasileiros”, alegou, mas negou que teria repassado tais informações a grupos de whatsapp simpatizantes de Bolsonaro
“Não me recordo”
Bormevet é também suspeito de investigar perfis de redes sociais de pessoas que se posicionavam desfavoravelmente ao governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Perguntado sobre se havia recebido demandas para verificar tais perfis; a origem e o destino dessas demandas, ele disse que não se recordava.
“Não me recordo para responder. Não tenho mais acesso às coisas que fiz no passado. Sem condições de responder essas perguntas de fatos ocorridos há quatro anos”, disse.
Disse também não se lembrar se havia repassado tais informações a terceiros não relacionados à Abin e negou que teria atuado para cooptar perfis em redes sociais direcionados à propagação de informações produzidas por sua equipe.
Fiscal do Ibama
Questionado sobre uma pesquisa específica, sobre o fiscal do Ibama Hugo Ferreira, ele disse que recebeu essa demanda do gabinete da Abin, que tinha à frente Alexandre Ramagem, mas que não se lembrava qual teria sido a justificativa dessa demanda.
“Essa pesquisa sobre o Hugo foi solicitada pelo gabinete, da mesma forma como era feito para pesquisa sobre cadastros e processos. Mas não tenho acesso aos autos. O motivo do pedido não me foi repassado. Sei que foi de um delegado da PF, que foi ao gabinete pedir informações sobre essa pessoa”, disse.
Pressão
O segundo depoimento foi do ex-major do Exército Ailton Moraes Barros. Ele teria sido mencionado, em algumas das conversas de whatsapp obtidas pelos investigadores, nas quais estaria pressionando autoridades militares a aderirem à tentativa de golpe, o que foi negado por ele.
Como Barros foi expulso do Exército em 2008, seu depoimento foi prestado como “cidadão comum”.
Segundo o ex-militar, as acusações imputadas a ele eram baseadas apenas em mensagens que o mencionavam, e que nada teria sido encontrado em seu celular.
Ele negou que tenha articulado com o general Braga Netto para pressionar militares que não estavam aderindo à tentativa de golpe de Estado.
“Tive contatos visuais com ele [Braga Netto] a partir do primeiro turno de 2022, quando foi candidato a deputado estadual. Peguei o telefone dele e pedi ajuda, porque tenho projetos na segurança pública. Queria me aproximar. O telefone dele ficou no celular”, disse.
Barros trocou, segundo a acusação, mensagens com o então candidato à vice-presidente na chapa de Bolsonaro.
“Eu era próximo do presidente [Bolsonaro]”, disse o ex-militar, referindo-se a um vínculo de mais de 40 anos, segundo ele, desde que o ex-presidente era um cadete.
Perguntado sobre uma publicação sua nas redes sociais, em que defendia a separação de homens e criancinhas, e que responsabilizaria homens covardes e fracos naquele momento político, ele disse que sua intenção era apenas a de aumentar seu número de seguidores e, consequentemente, de eleitores.
Na publicação, ele teria marcado o general Freire Gomes, ex-comandante do Exército durante a gestão Bolsonaro. O general é testemunha da suposta tentativa de golpe, conhecido por não ter aderido ao movimento golpista.
“Marquei o Freire Gomes porque queria que [a mensagem] chegasse a ele. Marquei também o jornalista Paulo Figueiredo, com quem não tinha muito contato, porque a família dele me conhecia. Queria que ele compartilhasse por ter muitos seguidores. E queria aumentar meu número de seguidores”, argumentou.
Paulo Figueiredo é neto do último presidente do período da ditadura militar no Brasil, general João Batista Figueiredo.
Núcleo 4
Entre os atos criminosos pelos quais o Núcleo 4 é acusado estão os de disseminação de notícias falsas sobre o funcionamento das urnas eletrônicas e ataques a autoridades que se colocassem no caminho dos planos golpistas.
Integrantes desse grupo são também apontados como responsáveis por ações estratégicas de desinformação e respondem por crimes como os de organização criminosa, golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado e deterioração do patrimônio tombado. Somadas, as penas podem superar os 30 anos de cadeia.
São réus no Núcleo 4:
Ailton Moraes Barros – ex-major do Exército
Ângelo Denicoli – major da reserva do Exército
Giancarlo Rodrigues – subtenente do Exército
Guilherme Almeida – tenente-coronel do Exército
Reginaldo Abreu – coronel do Exército
Marcelo Araújo Bormevet – agente da Polícia Federal
Carlos Cesar Moretzsohn Rocha – presidente do Instituto Voto Legal
O julgamento foi interrompido para almoço, devendo ser retomado ainda na tarde de hoje.